terça-feira, 2 de dezembro de 2014

LITERATURA MINEIRA.



FOI A PUTA QUE PARIU

Tabuí tava numa época de pasmaceira. Dinheiro ninguém tinha, inflação alta, salários minguados... Tudo parado. Até o comércio. Mesmo assim, havia uns teimosos. E foi nessa quadra, que apareceu por lá o Xenoberto, vendedor de fumo de rolo. Visitou os três ou quatro armazéns da cidade e resolveu caçar um local pra tomar um banho e dormir, pois que já era final de tarde. 
    A pensão – não tinha escolha – era a Só Sossego. 
   De manhãzinha, o Xenoberto aparece para o café da manhã e quase mata de susto o sô Zezé Vitrola, o dono da pensão. Este percebeu que seu hóspede estava com o corpo coberto de hematomas, tinha um olho inchado e roxo, e resolver perguntar a causa de tudo aquilo.
   - Ó, sô Vitrola, o negócio é que eu apanhei... E muito!
   - Mas o quecouve, seu Xenoberto? Apanhou por quê?
   - Aí é que tá, meu amigo... Apanhei sem saber o porquê...
   - Assim num vai pudecê, sô Xenoberto. Me ixplique as acontecência!...
   - Negócio é que resolvi dar um pulinho no cabaré, seu Vitrola... A dona    Zulmira, a proprietária, ficou muito sem graça, pois que não tinha nem uma mulher disponível pra mim. Mas me apresentou a Salomé, já nos últimos dias de gravidez, para ir pro quarto comigo pra gente bater um papo e trocar umas ideias sobre a vida. Aí comecei a indagar da moça sobre o passado, se foi casada, como entrou nessa vida, em que trabalhava e por aí afora. E não há de ver o senhor, sô Vitrola, que a Salomé, bem na minha frente, começou a ter as contrações do parto? E o senhor deve saber que puta é um bicho muito escandaloso. Gritava e gritava, ao ponto de me deixar meio surdo. Confesso, sô Vitrola, que fiquei foi muito sem graça. A turma, ao começar a ouvir os gritos, vinha correndo, querendo saber o motivo. E eu fui ficando, para o caso de uma necessidade da mulher ou da criança, até que aparecesse um socorro. Chegou num certo ponto, era gente na porta, pendurada na janela, dentro do quarto, todo mundo querendo ver a criança nascer. E todo mundo em silêncio respeitoso. As colegas da Salomé que tinham mais experiência, assim que iam liberando seus fregueses, começaram a chegar pra prestar socorro. E eu, que estava ali de gaiato, imaginei “vou ficar agora até o final pra ver o que acontece”... E fui ficando ali no meu cantinho. Queria saber o resultado daquela encrenca toda. Depois que nasceu a criança, findado todo o escândalo, Salomé ficou aliviada e eu também, vendo o sofrimento acabar. Aí, fui saindo de fininho, já que não precisavam de mim ali. Ao chegar ao corredor, vinha um soldado, com o cassetete na mão. E ele me perguntou:
   - O que aconteceu aí, rapaz?
   E eu respondi, na maior presteza:
   - Foi a puta que pariu!
   Aí ele me pegou de cassetete e me deixou nesta situação.
   - Sô guarda, cadê a girafa? 
   O sô guarda, quando olhou pra cara da mulher, quase teve um troço. Feia demais da conta. Olhos tortos, pernas cabeludas e uma mais curta do que a outra, peitos caindo pela barriga, bigode maior que o do guarda, pele do rosto parecendo maracujá de gaveta... Um verdadeiro desarranjo. 
   - Minha senhora, é que nesta época de frio, a girafa já foi recolhida. Ela vai dormir mais cedo. É animal de clima quente e não tem costume com o frio. Amanhã a senhora volta, tá?
   O guarda, além de falar bem, - característica de sua categoria - era entendido em biologia e zoologia
   - Sô guarda, a gente viemo lá de Tabuí pra mode meus fios conhecê ela, uai!
   Foi nesse momento que o guarda deixou de ver a feiura da mulher e olhou atentamente pros cinco anjinhos que estavam atrás dela, com olhos curiosos, amedrontados, procurando pela girafa. Cada um mais lindo que o outro. Duas meninas e três meninos sem nenhum defeito. Olhos verdes, moreninhos, bem vestidos, educados, uma escadinha...
   - Estes meninos são da senhora?
   - Sim, sô guarda!...
   - Mas foi a senhora mesma quem botou eles no mundo?
   - Craro, home!
   - Então, minha senhora... Peraí um tiquinho... Vou ter que chamar a girafa! Ela tem que ver isto.

TARTARUGA DE ESTIMAÇÃO

   Em volta da pracinha de Tabuí tem um monte de casas bem arrumadinhas, muitas pintadinhas de novo, telhado bonito e algumas com jardins bem cuidados. Fruto dos novos ventos que correm pela cidade, civilizando-se cada vez mais. Pois foi numa dessas casas, a da dona Manoela, que aconteceu o incidente.
   O Jerebão ia passando, de madrugada, indo pra casa, depois de ter saído do Bar do Copo Sujo. Nem preciso dizer do estado do Jereba após sair de um bar. E foi em frente à casa da dona Manoela que ele teve a terrível dor de barriga. Consequência do chouriço derrancado que comera lá no boteco do Bigode, como tira gosto. Ajeitou-se atrás da moita de jasmim e derramou o que tinha nas entranhas.    Depois de quase meia hora de labuta, limpou-se com umas folhas, conseguiu levantar-se, ajeitou as calças e se mandou ligeirinho. Dormiu um sono rápido e, nem bem amanheceu, acordou e sentiu vontade de fumar. Pegou um cigarro e... Cadê o isqueiro? Isqueiro de estimação, dado por uma ex-namorada. Vou voltar lá onde deixei o barro, pensou ele. E foi, enquanto o dia apenas começava e a cidade ainda dormia.
   No jardim da casa da dona Manoela, bem atrás da moita de jasmim, achou o isqueiro e o chumaço de folhas com que se limpara. Mas estranhou uma coisa. Nenhum monte ali, sinal do serviço que fizera na madrugada. Tudo limpinho, limpinho. Pensou: não pode, alguma coisa tem que tá errada. Enquanto estava de quatro, ainda examinando o terreno para entender o acontecido, ouve alguém limpar a garganta atrás dele. Vira-se e quem ele vê?
   - Dona Manoela!... Tudo bem ca sinhora?
   - Então foi o senhor o porco sem-vergonha que cagou em cima da minha tartaruga, né?

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